Tinhas imensa razão naquilo que disseste. Acho que não estava bem ciente daquilo que me esperava. Consigo ver o teu arrependimento mas e se tu fores o mau da da fita e não uma boa pessoa? Acho que vou contar cabritinhas até adormecer ao ponto de hibernar enquanto me sentir profundamente banhada em más energias.
Ando-me a sentir muito mais leve. Duas peças iguais do mesmo puzzle não se encaixam e, na minha opinião, andei a brincar às casinhas e às amiguinhas com quem não devia. Estou bem livre de situações constrangedoras e de olhares de quem não sabe metade do que me passa pela cabeça. Estou bem preparada para voltar a sentir emoções fortes e voltar ao lugar que tão inesperadamente se tornou o meu refúgio.
- Andas a tentar ver se morres ou queres só testar a minha capacidade de recuperar de um susto?! - Não disse mais nada. Fiquei a olhar para as suas calças rasgadas e para os imensos arranhões que o acidente tinha provocado.
- Preciso de saber que estás bem. – olhar de soslaio. Sabia melhor que ninguém que ele era o pior mentiroso do mundo. Era das coisas que mais admirava nele. Admirava a maneira como ficava atrapalhado ao tentar mentir e como sorria como se fosse um pedido de desculpas. Tinha o sorriso mais fascinante de sempre. Na verdade, admirava tudo nele. Parecia mais magro, mais branco, tinha a barba por fazer, cabelo super despenteado. Já não vestia aquelas roupas “sensação” que eram de meter inveja. E mais do que isso, já não tinha o mesmo brilho de antes nem a felicidade estampada na cara como sempre tinha presenciado. Parecia doente. Já não o via desde o dia em que as aulas acabaram. Naquele dia tinha-me sentido como se estivesse numa viagem sem destino, sem paragens, numa viagem em que a dificuldade de respirar é constante e não recebia o apoio de uma única alminha. Tinha-me sentido exausta e mais do que preparada para o Verão. Depois de tanto esforço para atingir as notas que o meu pai tanto desejava, no mínimo merecia umas férias prolongadas. No final das aulas tinha chegado a casa e encontrado uma carta em cima da minha cama. Era dele. Aquela sensação de quem recebeu um murro no estômago reapareceu. Era uma despedida. Só Deus e eu sabemos o quão horrível foi. Naquele momento sentia-me a mergulhar em areia movediça. Mais tarde a dor passou. Não sentia nada – não sentia amor, nem raiva, nem desespero, nada. Acordar e sentir que é só e apenas mais um dia vazio e pronto para a sua colecção de más recordações é das sensações mais vazias, sozinhas e negras que podem existir neste sistema. Nesse Verão, nunca me lembro de ter sido tão prestável e disponível para os caprichos do meu pai como fora naqueles dias. “Tens de começar a assumir mais responsabilidades” – foram estas as palavras de um pai que certamente compreende as coisas ao contrário. Tinha sido sempre assim. Não era agora que ia mudar. Se fazer tudo o que ele mandasse o fazia feliz, então que fosse feita a sua vontade.
- Sabes, sinto-me como se tivesse andado a vender-me a ti por muito pouco. Quero dizer, eu nem pedia que gostasses de mim. Pedia respeito. Nem isso me pudeste dar em troca.
Caminhei e não olhei para trás.
! Ando a sonhar imenso. Parece de loucos. Não fazem sentido absolutamente nenhum.